A Abertura das Olimpíadas de 2024 realizadas em Paris causou muita polêmica por causa de uma suposta representação da Santa Ceia feita de uma forma não considerada cristã por algumas pessoas. Mas aquela cena foi mesmo sobre A Santa Ceia (referência a obra do Leonardo da Vinci)?
Vamos falar sobre a pintura a qual as pessoas se lembram ao pensar numa tela sobre a Santa Ceia, que é a famosa obra-prima de Leonardo da Vinci, cujo nome é A Última Ceia (eu já falei especificamente sobre essa pintura no blog , clique aqui).
Essa pintura não é uma tela de verdade, ela foi pintada numa parede num mosteiro (Santa Maria delle Grazie) como um mural.

Esse painel foi restaurado num projeto grandioso que levou vinte anos, e a única referência mais subliminar são os símbolos da família Sforza, que eram os grandes mecenas (patrocinadores da arte) naquela época.
A pintura tem uma disposição de palco, com a cena se passando num único plano. Mas, isso é um reflexo da evolução da arte naquela época, pois, na Idade Média, as figuras eram planificadas e então as cenas tinham que se passar na frente, sem profundidade, como na imagem abaixo, que é uma pintura com características medievais.

Leonardo da Vinci acrescenta certa profundidade às pinturas, como vemos nas paredes laterais que levam à figura central de Jesus Cristo (que tem sua mão direita – de nossa perspectiva – estendida com a palma para cima, oferecendo o pão, enquanto a outra mão está virada pra baixo abençoando).

Tudo que está ali nessa obra tem significado, a disposição dos apóstolos, as mãos, como na história bíblica da Santa Ceia, após ela, Judas entrega Jesus Cristo aos Romanos.
Devido à essa disposição de palco, é muito fácil confundir cenários que tenham algumas coisas que lembram certos elementos da pintura de Da Vinci. E foi o que aconteceu na cerimônia de abertura das Olimpíadas, ao aparecer uma grande mesa, com diversas pessoas atrás, e uma figura central, muitas pessoas lembraram da Última Ceia.

Mas como podemos ver acima, existe alguém pintado de azul, usando uma coroa de frutas, essa pessoa está representando o deus Dionísio.
Uma das representações mais famosas de Dionísio é uma pintura de Caravaggio chamada Baco.

Baco foi pintado por Caravaggio como uma encomenda do Cardeal Del Monte, que tinha certos ideais humanistas. Na pintura Baco, ou Dionísio, segura uma taça de vinho, além de usar uma coroa de videira, como uma representação de sua associação ao vinho e as festas, o surgimento do teatro ocidental também está ligado ao deus greco-romano.
O artista que representou Dionísio na cerimônia de abertura das Olimpíadas de Paris de 2024 também usou uma coroa de frutas, e estava pintado de roxo, representando a cor das uvas. Mas há um outro elemento importante que aparece tanto na pintura de Caravaggio, quanto no palco que o artista se apresentou, que é a cesta de frutas.
Esse objeto remete à abundância, festa, e a um outro tipo de cena, que é o Banquete dos Deuses, um tipo de tema que é recorrente na pintura de artistas renascentistas, como a pintura de Ticiano e Bellini, Banquete dos Deuses.

Ao olhar essa pintura, todas as pessoas estão descontraídas, segurando jarros de bebida, comida, há inclusive nudez, pessoas formando casais, um clima festivo. Muito diferente da Última Ceia em que existe um clima tenso entre os apóstolos.

Existem representações do Banquete dos Deuses, com Baco sendo o anfitrião, como no tema da pintura O casamento de Baco e Ariadne, o Banquete dos Deuses, em que aparece a mesa (que está ausente na pintura de Bellini e Ticiano).

Na pintura vemos diversos deuses greco-romanos, desnudos (como aparecem nas estátuas gregas antigas e em pinturas renascentistas) ao redor de uma mesa, comemorando o casamento do deus Baco (Dionísio) e Ariadne. Na tela temos diversas garrafas de bebidas pelo chão, comida, e em cima da mesa temos taças de vinho cheias, muita comida, além disso sentada na ponta com um instrumento musical está uma mulher tocando uma música e animando a festa.
A Cerimônia de Abertura das Olimpíadas em Paris foi um evento de comemoração da mais uma edição da realização das Olimpíadas, e a mistura de simbologias que houve durante a abertura pode ter feito as pessoas confundirem o que estava sendo retratado ali. Mas a Última Ceia (Santa Ceia) tem outro significado, ela não é uma comemoração, ela representa o sacrifício de Jesus Cristo e seu amor a humanidade.
As Olimpíadas são um evento esportivo, e a abertura é a celebração de mais uma edição desse evento, nele os países sede mostram a sua história e ideais para o mundo, e foi isso que a França fez.
Quando foi a vez do Brasil, nós mostramos o nosso samba, a Gisele Bundchen, o Carnaval, nossos artistas, e também celebramos na abertura das Olimpíadas.
*Edição de 29/07:
O que diz um dos organizadores do evento sobre essa polêmica(Thomas Jolly)?
Foi a Última Ceia? “Não foi minha inspiração ”, respondeu Thomas Jolly. “ Acho que ficou bem claro, tem Dionísio que chega nessa mesa. Ele está aí, porque é deus da festa (…), do vinho, e pai de Sequana, deusa relacionada ao rio.
“ A ideia era mais fazer uma grande celebração pagã ligada aos deuses do Olimpo… Olimpo… Olimpismo ”, continuou ele.
Pois olhe… faltou esta sua lucidez sensata e bem informada na maior parte dos comentários que li sobre este assunto. Com a mania (danosa) de ideologizar tudo – como nos dias que correm – as coisas perdem perspectiva e a “tabula rasa” do discurso ganha força. Parabéns por esta postagem!
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