Somente a experiência pode nos levar ao verdadeiro conhecimento?

As palavras evidências empíricas, ou no popular: experiências para provar alguma coisa. Elas são muito populares hoje em dia e são utilizadas para defender as ideias mais malucas e sem sentido que existem. No século XVII, o filósofo David Hume percebeu a armadilha do empirismo para o conhecimento das coisas.

Os filósofos gregos pré-socráticos utilizam uma série de raciocínios lógicos para chegar ao conhecimento das leis da natureza, sobre o que são as coisas nesse universo.

Esses filósofos são geralmente profundos conhecedores da matemática, principalmente daquela que é utilizada na prática. Então as conclusões desses filósofos utilizavam raciocínio matemático junto com a filosofia abstrata pra explicar a natureza.

Uma das conclusões que eles chegaram foi de que a natureza é perfeita e a forma esférica é perfeita. Então o universo, nosso planeta, os planetas em geral, as órbitas de outros planetas, teriam esse formato esférico.

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Esse pensamento foi transmitido aos romanos depois para os primeiros cristãos. E na Idade Média esse pensamento filosófico chegou misturado à religião. Então o mundo era uma esfera perfeita, o universo girava ao redor da Terra em trajetórias circulares perfeitas. Ou seja, essa forma geométrica seria o fundamento matemático do universo.

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Apesar dos filósofos gregos utilizarem a filosofia abstrata (metafísica) misturada a matemática pra explicar a natureza, eles também utilizavam a observação.

O problema é que para chegar ao conhecimento de fato, somente esses raciocínios lógicos fundamentados na perfeição da natureza não são suficientes para explicar a realidade de fato.

Empirismo

O filósofo David Hume através de um raciocínio sobre como somos influenciados pelos nossos sentidos, chega a conclusão de que causas e efeitos pensados na filosofia abstrata não são meros produtos racionais mas que na verdade tem como base a experiência. A lógica dele é a seguinte:

Todos os nossos sentidos captam algo do mundo, por exemplo, a visão capta as cores e as formas dos objetos, a audição os sons e assim por diante. Ele diz que todas as nossas ideias tem como origem as sensações, que até a invenção mais mirabolante se origina de alguma experiência humana.

Hume fornece outro exemplo interessante, se um homem que não conhece a filosofia natural (aka Física, Matemática, Química, Biologia…) for apresentado duas peças lisas de mármore, ele jamais imaginaria que uma ia aderir a outra de modo que precisaria uma grande força para separar essas peças.

Ele também diz que a razão não é inata. David Hume rebate o racionalista René Descartes, pois para Descartes podemos extrair a verdade utilizando somente razão.

David Hume é puramente empirista, não existe conexões racionais, somente uma sequência de experiências. Ele diz: “De causas que aparecem como semelhantes, esperamos efeitos semelhantes, essa é a súmula de todas as nossas conclusões experimentais”. E se fosse uma conclusão puramente racional, ela seria perfeita desde o inicio.

Os Ovos são semelhantes, mas ninguém com base nessa aparente similaridade espera encontrar em todos eles o mesmo gosto.

O argumento de causa e efeito seria fraco porque segundo ele não seria possível afirmar com certeza que um efeito seria por determinada causa.

Por exemplo, a ONU utiliza em sua bandeira a projeção azimutal do nosso planeta, o verdadeiro motivo dela escolher essa projeção é que nenhum país seria o centro (como acontece com a projeção de Mercator, em que ele utiliza a Europa como origem do mundo e faz um mapa onde a Europa é do tamanho do Brasil).

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Poderíamos pensar assim, a ONU é uma organização mundial, ela usa como símbolo aquele mapa redondo, então a terra tem esse formato e é totalmente plana, porque a ONU quer esconder a verdade do mundo.

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Nesse sentido David Hume percebe que podemos cometer esse erro. Isso acontece para coisas que são muito abstratas como a metafísica. Porque assim como as teorias da conspiração, que chegam a conclusões fazendo abstrações, a metafísica também pode incorrer nesse erro.

Você não tem uma prova concreta que a ONU esconde a verdade, porque isso é uma besteira que tem como base a percepção humana que é falha. A metafísica corre o risco de fazer isso.

Pra ele todas as inferências da experiência, são pois efeitos do hábito e não do raciocínio. Você pode inferir que um objeto dá origem a outro sem que isso seja verdade e a partir desse raciocínio você não estará produzindo ou adquirindo nenhum conhecimento.

Para David Hume a experiência não pode nos levar ao conhecimento de fato.

Apesar desse pensamento de Hume servir para algumas situações, como para pessoas paranoicas que fazem conexões irracionais. Não serve para outras como as preposições matemáticas, que são construções racionais.

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Crítica da Razão Pura

Nessa obra Immanuel Kant refuta a ideia de empirismo puro de David Hume. Enquanto Descartes uniu a geometria à álgebra utilizando conceitos puramente racionais, e isso é algo que Hume tenta desconstruir, dizendo que esses conceitos na verdade são fruto da experiência, Kant introduz outro conceito que une a razão e a experiência.

Kant classificou os juízos como analíticos ou sintéticos. Os juízos analíticos são explicativos, enquanto o juízo sintético utiliza a experiência.

Os juízos sintéticos podem ser a priori e a posteriori. Os juízos sintéticos a priori usam conceitos universais e podem ser replicados pela experiência. Os juízos a posteriori usam conceitos particulares e não servem para a ciência. 

Em Crítica da Razão Pura, Kant demonstra que é possível haver um conceito a priori que origina a experiência. Ele utiliza o espaço e tempo pra provar isso.

O espaço e o tempo não é algo que se possa fazer uma demonstração pura, o tempo existe porque nós conseguimos perceber ele através de abstrações, e o espaço seria algo que se nós retirássemos todos os objetos sobraria o espaço, que é diferente de nada. O espaço não significa nada, ele é algo, e o tempo também.

O espaço e o tempo é onde está a realidade*, e teríamos que literalmente sair desse Universo para teorizar sobre os dois como fazemos com um objeto qualquer.

Kant afirma que os matemáticos  e mecânicos fundamentam suas ideias** em um conceito metafísico***.  Assim ele demonstra que apesar do espaço e o tempo serem conceitos metafísicos, eles são bem reais e servem para explicar as experiências.

O filósofo utiliza as concepções de Aristóteles sobre objeto e predicado para fundamentar seus argumentos. Para Kant podemos pensar racionalmente e utilizar a experiência.

É nesse meio termo que a ciência funciona. Você faz uma inferência lógica com base na realidade e testa isso utilizando experimentos, essa dedução tem que ser algo que pode ser refutado, outros cientistas independentes tem que chegar ao mesmo resultado, e aí se constrói uma teoria científica.

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Não pode ser qualquer experimento, você tem que detalhar como você fez, os cálculos que utilizou, anotar os dados, e você tem que ficar repetindo e repetindo e conseguir o mesmo resultado.

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Por exemplo, os astrônomos que concluíram que o Universo está em expansão. Eles tiveram que achar um jeito de medir com o máximo de precisão a distância das galáxias, medir a velocidade e o desvio para o vermelho.

Esses astrônomos iriam calcular a aceleração que as galáxias possuem. Duas equipes diferentes colheram os dados e aplicaram num cálculo que chegou ao resultado da expansão do Universo.

Além disso esse cálculo é refeito várias e várias vezes, e qualquer astrônomo que conheça as variáveis e possua os dados tem que chegar ao mesmo resultado. Se achasse um resultado diferente, teria que demonstrar como chegou nele****, e o processo recomeçaria.

Albert Einstein era um profundo conhecedor da física clássica e da matemática envolvida por trás dos conceitos da física. Quando ele elaborou a Teoria da Relatividade, teve que mostrar os cálculos, o trabalho original dele tem duas folhas de demonstração matemática. Os cálculos dele teriam que coincidir com a realidade, e foi o que aconteceu no famoso eclipse de 1919. Até hoje a Teoria da Relatividade é testada e comprovada, apesar da premissa dela ser bem heterodoxa.

 

*Crítica da Razão Pura, Immanuel Kant, pág 148, Coleção Clássicos para todos.

**Ideias no sentido de demonstrações matemáticas.

***Sem nenhum fundamento na experiência.

****Tem uma notícia da Folha de São Paulo que diz que acharam um resultado maior para a expansão do universo, a expansão seria mais rápida do que o calculado.

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