Analisando as duas personalidades de Sócrates criada por Platão.
O Sócrates em A República
“Sócrates — E não sabes que o começo, em todas as coisas,
é sempre o mais importante, mormente para os jovens? Com
efeito, é sobretudo nessa época que os modelamos e que eles
recebem a marca que pretendemos imprimir-lhes.
Adimanto — Com certeza.
Sócrates — Sendo assim, vamos permitir, por negligência,
que as crianças ouçam as primeiras fábulas que lhes apareçam,
criadas por indivíduos quaisquer, e recebam em seus espíritos
entender, quando forem adultos?
Adimanto — De forma alguma permitiremos.
Sócrates — Portanto, parece-me que precisamos começar
por vigiar os criadores de fábulas, separar as suas composições boas das más. Em seguida, convenceremos as amas e as mães a contarem aos filhos as que tivermos escolhido e a modelarem-lhes a alma com as suas fábulas muito mais do que o corpo
com as suas mãos. Mas a maior parte das que elas contam
atualmente devem ser condenadas.
Adimanto — Quais?
Sócrates — Julgaremos as pequenas pelas grandes, porquanto
umas e outras devem ser calcadas nos mesmos moldes
e produzir o mesmo efeito; concordas?
Adimanto — Concordo. Mas não sei quais são essas grandes
fábulas de que falas.
Sócrates — São as de Hesíodo, Homero e de outros poetas.
Eles compuseram fábulas mentirosas que foram e continuam
sendo contadas aos homens.
Adimanto — Quais são essas fábulas e o que há nelas de
condenável?
Sócrates — O que antes e acima de tudo deve ser condenado,
mormente quando a mentira não possui beleza.
Adimanto — E quando não possui?
Sócrates — Quando os deuses e os heróis são mal representados,
como um pintor que pinta objetos sem nenhuma semelhança
com os que pretendia representar.”
Sócrates em o Banquete e Apologia de Sócrates
No Banquete Sócrates diz: “Homero, Hesiodo e outros grandes poetas são admirados e invejados em virtude da linhagem que deixaram, garantia de glória e lembranças imortais.”
E em apologia de Sócrates: “(…)qual é o mestre que deves tomar para eles? Qual é o que sabe ensinar tais virtudes, a humana e a civil? Creio bens que tens pensado nisso uma vez que tem dois filhos. Haverá alguém, ou não? – Certamente – responde. E eu pergunto: – Quem é, de onde e por quanto ensina? – Éveno, respondeu, de Paros, por cinco minas. – E eu acreditaria Éveno muito feliz se possui essa arte e a ensina com tal garbo. Mas o certo é que também eu me sentiria altivo e orgulhoso, se soubesse tais coisas, entretanto, o fato é, cidadãos atenienses, que não sei.”
São dois Sócrates diferentes, o primeiro sabe o que as crianças devem aprender, o que é uma fábula boa e o que é má. E Homero e Hesíodo fizeram fábulas mentirosas.
O segundo Sócrates, admira os dois poetas. E em Apologia de Sócrates ele não sabe quem é o melhor mestre pra ensinar as virtudes humana e a civil, ele afirma que não sabe sobre essas coisas, não sabe ensinar o que uma criança deveria aprender.
O Sócrates da República é o inventado por Platão. Em O Banquete e Apologia de Sócrates, como Platão quer fazer uma homenagem ao mestre, mostrar como Sócrates era humilde e como eram os diálogos dele, é um retrato mais realista de quem era Sócrates.
Eu li Filebo, Parmênides, Críton e Górgias, são diálogos com uma só personalidade, também suponho que seja de “Sócrates” e não um Sócrates inventado por Platão como na obra a República.
O Sócrates nessas quatro obras tem uma característica, ele pergunta, o interlocutor responde, então ele faz outra pergunta com uma conclusão lógica do que o interlocutor disse, mas aí o interlocutor não está convencido, e ele parte pra outro tipo de diálogo, “argumento”, pra ver se o interlocutor consegue perceber a contradição que existe no que ele tá dizendo.
O primeiro livro da República tem um diálogo de Sócrates mesmo. Mas a partir disso, o Sócrates muda, não é mais o mesmo que diz: “Então a Justiça é um tipo de arte de furtar dos amigos e prejudicar os inimigos?”, ele perde a espontaneidade.